Pesquisa de mestrado confirmou a circulação do vírus em humanos, mas também jogou luz sobre o surgimento de novos patógenos em uma região que tem sofrido com o desequilíbrio ambiental. Imagem de imunofluorescência do vírus mayaro em amostra de paciente de Roraima (RR) analisada por pesquisadores da Unicamp
Reprodução/Unicamp
Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp confirmou a circulação do vírus mayaro entre humanos no estado de Roraima (RR). Mais do que isso, apontou uma possível transmissão urbana da doença, que provoca sintomas semelhantes aos da chikungunya, sendo identificada em moradores que não relataram qualquer atividade em áreas de mata.
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Das 822 amostras de pacientes em estado febril coletadas pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Roraima (Lacen), entre 2018 e 2021, foram identificadas a presença do mayaro em 3,4% delas, mas em 60% dos casos, as pessoas testaram negativo para os oito vírus analisados, o que pode ser indício de circulação de novos patógenos.
“Havia o indicativo de que aquelas pessoas estavam doentes. Alguma coisa elas tiveram, a gente que não conseguiu achar”, explica José Luiz Proença Módena, coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE) da Unicamp.
Impacto ambiental
Vista aérea de Boa Vista, em Roraima, no dia 27 de janeiro de 2024.
Rede Amazônica
Tanto a descoberta da circulação do mayaro entre humanos em Roraima, fruto do mestrado da bióloga Julia Forato, divulgado pela revista Emerging Infectious Diseases, publicação do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (ou CDC, na sigla em inglês), quanto a hipótese de novas ameaças virais jogam luz sobre o mesmo problema: o desequilíbrio ambiental.
“Tudo está relacionado com o impacto ambiental. Onde tem vírus? Onde tem vida. Então falamos de uma diversidade enorme, que ainda não conhecemos. A partir do momento que o homem impacta e entra em contato com essas áreas, derruba, queima, tem um gargalo de seleção em que um desses vírus passa a infectar quem está entrando naquele ambiente”, explica Módena, que complementa:
“A gente está se pondo lá. Alguns serão extintos, mas os vírus têm uma capacidade enorme de adaptação, alta taxa de mutação, e ocorre uma seleção de um que seja capaz de infectar e transmitir entre pessoas”.
Em Roraima, a combinação entre áreas que sofrem com desmatamento, queimadas e exploração ilegal, como os garimpos, aliado a fluxos migratórios intensos nos últimos anos, potencializa a disseminação de vírus ou surgimento de novas ameaças.
De acordo com os pesquisadores, os dados obtidos no estudo mostram, ainda que poucos casos foram confirmados, que há um indício importante do ciclo urbano do mayaro, mas esse processo ainda precisa ser estabelecido.
Febre do Mayaro é transmitida pelo mosquito do gênero Haemagogus, mas já houve comprovação em laboratório da possiblidade de infecção do Aedes aegypti pelo MAYV
Pixabay/Divulgação
O mayaro tem como vetor o Haemagogus janthinomys, mosquito silvestre que é conhecido por disseminar a febre amarela. Em laboratório, já houve a comprovação de que é possível que outro mosquito, bem conhecido nos meios urbanos, transmitir o vírus.
Por isso mesmo, há o temor de que seja possível estabelecer uma cadeia de transmissão pelo Aedes aegypti, em evidência pelos casos de dengue, mas que também já foi um vetor da febre amarela, por exemplo.
“Essa é a principal preocupação, se o Aedes, que é mosquito urbano, é capaz de disseminar. A partir do momento que sabermos que isso acontece, não se sabe o impacto diante de uma população que nunca teve contato com esse vírus”, destaca Júlia Forato.
O que se sabe sobre a doença
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O mayaro é uma espécie de ‘primo’ da chikungunya e provoca as mesmas reações nos pacientes, como as febres e intensas dores musculares e articulares que podem se prolongar por meses. Há registros de complicações sérias, como hemorragia, problemas neurológicos e até a morte. Ainda não há imunização ou tratamento específico para a doença.
“Aquela doença que classicamente é leve, febril, em que uma parte das pessoas vai ter artrite, isso ocorre no contexto de poucos infectados. Com muitos infectados, começam a aparecer as complicações, os quadro neurológicos. Os problemas graves aparecerem”, alerta Módena.
O vírus mayaro foi isolado pela primeira vez na década de 1950 a partir de amostras de sangue de pacientes infectados em Trinidad e Tobago, na América Central.
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Casos no Brasil foram registrados já em 1955, em um surto em Belém (PA), e posteriormente em outras partes da Amazônia e do Centro-Oeste. Houve registro de casos no Rio de Janeiro, em 2019, e um estudo da USP apontou a circulação do mayaro no interior de São Paulo.
No caso do mayaro, mamíferos – incluindo os humanos – e até aves já foram descritos como hospedeiros para o vírus, ou seja, são “reservatórios” cujo material infectado é transmitido pelos mosquitos – os insetos do gênero Haemagogus são o principal vetor.
Importância da ciência
Imagem da estrutura do vírus Mayaro. Na imagem, a partícula viral está em parte aberta para possibilitar a visualização de todas suas proteínas. Cada uma das proteínas que forma a partícula viral está representada por uma cor (verde, cinza e vermelho). Os açúcares que são ligados as proteínas estão em cor laranja.
CNPEM/MCTI
Os pesquisadores da Unicamp reforçam que o trabalho, desenvolvido com apoio de outras instituições do Brasil e do exterior, reforça a necessidade de investimento na ciência para monitoramento e conhecimento sobre os vírus emergentes.
O coordenador do LEVE ressalta que o Brasil, em virtude da sua enorme biodiversidade, é considerado pelos grandes órgãos internacionais, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um dos hotspots, ou zona quente, para o surgimento de novos vírus.
“Por exemplo, nas amostras desse estudo, muitas foram negativas. Eram pacientes com sintomas, mas que não houve confirmação de nenhum dos oito vírus que a gente testou. A gente não sabe o que está circulando ali. Não sabemos se pode ter um vírus com potencial para provocar alguma coisa maior”, alerta Módena.
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